domingo, 16 de maio de 2010
Essa história seria diferente se naquela tarde de sexta-feira, mais precisamente dia 14 de Janeiro, Sthefen não tivesse saído duas horas mais cedo de seu trabalho para ir ao meu encontro no shopping, onde eu trabalhava como vendedora em uma loja de roupas intimas. Combinamos que ele me encontraria as 19h00min para irmos até o bufê onde seria nosso casamento. Sempre exagerado e nem tão paciente quando o assunto era esperar, Sthefen chegou exatamente 1 hora e meia mais cedo do horário combinado, esperava-me ansioso no saguão.


Ele vestia um paletó preto com uma gravata vermelha, estava elegante, andava de um lado para o outro e não desgrudava um só minuto os olhos do relógio de pulso que o acompanhava todo o tempo.Eu trabalhava naquele instante, sem nem ao menos imaginar que ele já estava a minha espera, mas estava tão ansiosa quanto Sthefen, contando cada segundo até a hora de acabar meu expediente.

Uma mulher entrou na loja, começou a olhar as roupas, em seguida entregou-me o que iria comprar e eu fiz sua nota fiscal, ela partiu.Faltavam dez minutos para que Sthefen saísse de seu trabalho, isso se ele não fosse apressado e estivesse a minha esperava no saguão do shopping. Encostei-me no balcão e der repente senti um aperto em meu coração, tão forte a ponto de fazer-me inclinar o corpo. Coloquei a mão sob meu peito e a dor parecia não querer acabar mais nunca, olhei para o relógio e nele marcava exatamente 18:00min.


Fez-se um silêncio em todo o shopping e em frações de segundos todo esse silêncio tornou-se uma tremenda gritaria, uma correria de pessoas de um lado para o outro, mães querendo proteger seus filhos, sacolas sendo deixadas para trás, por fim, um disparo que fez eco em todo andar. Fiquei sem em tender ao certo o que de fato acontecia.
Em seguida escutei algumas vozes que chegavam até a loja, como se viessem de outras dimensões.

-Ele está ferido –Escutei sem ao menos saber se a voz era de um homem ou mulher.

-Meu Deus, chame uma ambulância, esse moço precisa de ajuda. –Mais uma vez escutei alguém, uma voz que vinha de longe, quase sem ter como entender.

Não agüentando mais ficar parada sem fazer nada, sai correndo pelo corredor do shopping e cheguei até o saguão, ali estava Sthefen, baleado no peito, jogado no chão.
Quando olhei para ele, quase não pude acreditar, eu entrei em desespero, comecei a empurrar as pessoas que rodeavam o local, joguei-me junto a ele, fiquei ajoelhada ao lado de seu corpo, seu peito sangrava e uma roda de sangue formava-se pelo chão ao meu redor, mal consegui reagir diante aquela situação, vendo Sthefen inconsciente, deitei sob ele, o abracei como se o meu calor o fizesse acordar. Foi em vão.

Senti mãos puxando-me pelas costas, arrastando-me para longe dele, eram enfermeiros que chegavam com uma ambulância, prontos para levá-lo para um hospital próximo. Colocaram Sthefen em uma maca, onde o empurraram até o estacionamento, eu corria atrás deles, seguindo-os, queria ficar por perto, saber de tudo. Fui na ambulância ao lado dele, segurei suas mãos o tempo todo, até chegar ao Pronto Socorro.


Sthefen foi submetido a uma cirurgia de emergência logo que chegou ao hospital, os médicos tentavam fazer com que ele reagisse ao ferimento, mas isso era quase impossível .

Fiquei horas do lado de fora com minha roupa ensangüentada por ele, desesperada, com as mãos na cabeça e olhando para o chão, sentada no sofá de uma sala de espera, o que mais me parecia o dia do meu juízo final. Enjoada de tomar café, cansada de esperar. Ele teria entrado em uma sala cirúrgica sem eu ao menos saber se voltaria, era quase impossível manter-me sem chorar, mas minha vontade mesmo era de gritar, implorar para que ele sobrevivesse e pedir para que não me deixasse. Como eu queria abraçá-lo, estar ao lado dele nesse momento. Eu queria poder salva-lo apenas com o toque das minhas mãos e nessa hora eu era apenas ninguém.
Uma médica chegou 5 horas depois da nossa chegada ao hospital, viera dar-me notícias, falar sobre o estado do Sthefen, sua fisionomia não era das melhores, o que me deixou ainda mais apavorada. Olhou nos meus olhos e quase sem saber como falar sobre o assunto, sussurrou muito calma:

-Sthefen esta em coma, por um dia, um mês, anos ou pela vida toda.
Sem querer acreditar cai no chão em um grito que assustou as pessoas, não conseguia imaginar minha vida com o Sthefen praticamente morto.

-Levante mocinha, não pode ficar ai, você vai acabar passando mal, não quer isso, quer? –Disse a médica em um tom de voz doce.

-Eu quero muito mais do que isso, quero morrer, minha vida está acabada. –Gritava
feito uma louca.

-Vamos, levante já daí. Diga-me qual o seu nome?
-Luiza, meu nome é Luiza. –Eu levantei do chão enquanto limpava meu rosto.

-Você precisa tirar essa roupa querida, vai para casa, tenta descansar um pouco talvez. – Ela tentava acalmar-me, o que parecia impossível de conseguir.


A médica saiu, havia desistido de tentar me animar, continuei ali sentada, sem saber ao certo o que fazer, tentando pensar positivo, quem sabe isso faria Sthefen acordar e ficar bem novamente.Peguei o celular dentro do bolso do meu casaco, liguei para casa, tentei dar uma explicação pelo meu sumiço repentino a minha mãe, explicar o que havia acontecido com o Sthefen e pedir roupas limpas. Sthefen era órfão de pai e mãe e seus parentes mal se importavam com sua existência, vivia como se minha família fosse mesmo a nossa família. Éramos um só, em tudo.
-Alô, mãe? –Foi à única frase que consegui dizer.

-Sim minha filha, sou eu, o que houve? Aconteceu alguma coisa? Que voz é essa Luiza? –Ela fazia diversas perguntas de uma só vez, deixando-me ainda mais confusa, demonstrava estar preocupada.

-Mãe, é o Sthefen, mãe, vem pra cá, estou no hospital, ele vai morrer. –Eu chorava, falava coisas sem sentido.

-Luiza, o que tem o Sthefen filha? Por que ele vai morrer?

-Ele foi baleado mãe, eu preciso da senhora aqui, estou no Pronto Socorro da cidade mesmo, vem ficar comigo mãe, não demora, estou com medo.

-Tudo vai ficar bem queria, estou indo até ai, fica calma. –Mesmo querendo me acalmar sua voz não negava que estava tão nervosa quanto eu.

-Traga roupas, estou completamente suja. –A ligação caiu e não consegui retornar.
Passou cerca de uma hora, era madrugada e minha mãe chegou. Levou um susto quando me olhou e percebeu que minha roupa estava ensangüentada.

-Luiza minha filha –Parou na minha frente e abraço-me tão forte que mais uma vez não contive as lágrimas.

-Mãe, ele está em coma e isso pode durar para sempre, eu o perdi mãe, o perdi.

Ficamos algum tempo sentadas naquele sofá gelado da sala de espera, expliquei como tudo havia acontecido e fui ao próprio banheiro do hospital trocar de roupa, deixar de lado o casaco ensangüentado.

Minha mãe já era de idade, não podia ficar o tempo todo ali comigo por mais que eu quisesse, sofria de pressão alta e diabetes, passar nervoso a deixava pior e tudo o que eu menos precisava eram mais problemas.

-Mãe, pode ir agora se quiser, vou ficar aqui, preciso vê-lo. –Falei um pouco mais calma do que nas outras vezes.

Então nós duas levantamos do sofá, ela me abraçou e a deixei voltar para casa. A mesma médica que havia falado comigo antes, estava passando pela sala, fui até ela correndo e a puxei pelo jaleco.
-Doutora, por favor, fale como o Sthefen está eu preciso de notícias, estou morrendo aos poucos aqui.

-Luiza, sinto-lhe dizer, Sthefen está do mesmo jeito que foi para o quarto, respirando pelos aparelhos e ainda em coma.

-É só isso que tem para dizer? –Perguntei aflita.

-Sim, diga-se de passagem, que é somente isso que tenho para lhe dizer.

-Posso entrar no quarto para tocá-lo? Olhar para ele, eu posso doutora?

-Ainda é muito cedo para você entrar no quarto, ele está em observação, espera até
o amanhecer. –Falou e logo saiu para atender aos seus outros pacientes.
Mais uma vez sozinha, esperando por respostas. Sem poder fazer alguma coisa, bebi mais um gole de café, depois sentei com as pernas encurvadas no sofá, fazendo uma volta com meus braços sob elas, baixei a cabeça e meus cabelos ficaram soltos para baixo, tentei dormir e obviamente não foi possível, não consegui pregar meus olhos um só instante, pensei no Sthefen todo o tempo, todas as horas, minutos e segundos.
Finalmente amanheceu, teria sido a noite mais longa de toda a minha vida, a mais triste também, nunca havia me sentido tão impotente, incapaz de ajudar em qualquer coisa para vê-lo abrir os olhos mais uma vez.
Uma enfermeira colocou a mão na minha cabeça e então levantei o rosto lentamente, minhas olheiras profundas falavam por si só, minha boca estava seca e meus olhos quase fechando sozinhos.


-Luiza, você esta aqui desde ontem, por que não come alguma coisa? –Ela falou demonstrando sua preocupação a me ver sozinha naquele estado.

-Não tenho fome, só quero ver o Sthefen, por favor, deixe-me entrar no quarto.

-Tubo bem, você vai vê-lo, tente ser forte Luiza. –Ela sorrio, tentando deixar-me confortada.

Entramos para a unidade de emergência do hospital, tantas pessoas morrendo pelos corredores, outras que já chegavam mortas, alguns feridos. Senti meu estômago embrulhar, um enjoou forte que fez por um momento apagar minhas vistas, mas logo passou, deveria ter sido só um mal estar passageiro.
Continuamos andando e então entramos no elevador, que nos levou até a unidade semi intensiva, onde estava Sthefen. Coloquei roupas adequadas para entrar no quarto, luvas, touca, uma roupa especial e também cobri meus sapatos, entregaram-me uma mascara, todo cuidado era pouco. Entrei no quarto, pensei que ali mesmo fosse ficar morta ao lado dele, por que para mim ele estava praticamente morto.

-Você tem 15 minutos Luiza – Falou a enfermeira.

-Tudo bem. –Respondi abaixando a cabeça em seguida.

Fiquei olhando para ele durante metade do pouco tempo que tinha para estar ao seu lado. Pensei em como seria dali para frente, os meus dias, a vida dele, fiquei pensando se ele sobreviveria, como seria se partisse. Chorei pelo restante do tempo e logo precisei sair.

Tirei a touca, luvas, roupa, decidi ir para casa, tomar um banho, avisar a gerente da loja sobre o que tinha acontecido, organizar meu tempo, avisar aos amigos e o restante da minha família do estado de Sthefen. Toda responsabilidade estava em minhas mãos.


Então sai do hospital correndo, peguei um táxi em um ponto que tinha ali próximo e fui para casa. Chegando eu organizei alguns documentos que seria preciso para o Sthefen permanecer no hospital, arrumei minha bolsa, liguei para a loja e expliquei que ficaria afastada por um tempo, avisei amigos e parentes, tomei um banho gelado, coloquei uma roupa, penteei meu cabelo e deitei na cama em meu quarto, ali não consegui ficar sem dormir.
Acordei sonhando com Sthefen, levei um susto e levantei em um só pulo, já estava escuro lá fora, vi pela janela. Desesperada, escovei os dentes, peguei minha bolsa e fui saindo de casa novamente, voltaria para hospital e passaria a noite mesmo que do lado de fora do quarto onde estava Sthefen, mal jantei, a essa altura não sentia mais fome, bebi apenas um copo de água.

-Tchau mãe, eu volto amanhã, preciso estar por perto, ele pode precisar de mim. –Dei um beijo em seu rosto, ela estava deitada no sofá.
-Tchau Luiza, fica bem. –Seu olhar era triste.

Fui para o hospital, e ali passei mais uma noite, deitada no sofá, coberta com meu casaco, a noite era fria, o hospital vazio, o máximo que passava por ali eram enfermeiras e médicos que corriam de um lado para o outro.
Passaram-se semanas, Sthefen se encontrava no mesmo estado, em coma, minhas esperanças estavam vivas dentro de mim, não as perdia por nada, mesmo que os médicos dissessem ser um caso que só seria resolvido por um milagre, eu acreditava que ele ficaria bem, eu ainda tinha fé que nosso casamento aconteceria mais cedo ou mais tarde. Dentro do meu coração eu tinha a certeza de que Sthefen sorriria para mim mais uma vez, ele abriria os olhos hoje ou amanhã, falaria que me amava e seriamos muito felizes. Eu tinha certeza que ele ficaria bem, tinha absoluta certeza.


Sthefen ainda estava vivo por conta dos aparelhos, faziam um barulho irritante, quando eu estava ao seu lado o barulho entrava em meus ouvidos como um som que indicavam a morte, o início do fim, eu só não queria acreditar nessa hipótese, preferia continuar com minhas esperanças até que a vida provasse que elas eram em vão.
Eu sempre conversava com Sthefen, mesmo ele estando ali deitado naquela cama.
Quando uma pessoa entram em estado de coma, elas são capaz de ouvir, sentir, até mesmo responder com sinais, elas só não conseguem reagir e voltar ao seu estado normal. Sentia que ele entendia de alguma forma o que eu falava, às vezes mexia os dedos dos pés, ou das mãos, o que me deixava ainda mais agoniada, perdi as contas de quantas vezes chamei a enfermeira dizendo que ele estava acordando.
-Sthefen, eu te amo tanto, minha vida não tem sentido sem você aqui comigo, tudo parou meu amor, desde o dia em que tudo isso aconteceu. Olha, vai ficar tudo bem eu prometo, o nosso amor é maior do que isso tudo, o meu amor por você vai salva-lo, você vai ver só. Agüenta firme, você sempre foi tão forte. – Eu sorri, ao mesmo tempo sussurrava bem perto dele. – Você vai ficar muito bem. –Sai rapidamente da sala, não queria demonstrar a minha tristeza, nem queria que escutasse meu choro, caso ele fosse mesmo capaz de sentir a minha presença ao seu lado.

Fui para o lado de fora do hospital, sentei em uma escada que tinha ali mesmo, acendi meu cigarro, enquanto fumava pensava nele é claro. Era a única pessoa que ocupava meus pensamentos vinte e quatro horas por dias. Com um dos braços cruzados, soltando a fumaça para o alto, todos os nossos momentos juntos passavam correndo em minha mente e como em um filme eu apertava pausa nos mais importantes.


- Quanta saudade eu tenho de você, às vezes acordo com o gosto de seus beijos em meus lábios, sinto o calor dos seus abraços apertados e consigo arrepiar-me com o toque de suas mãos deslizando em meu corpo, seus carinhos em meu cabelo fazem falta todas as noites quando deito para dormir e percebo que no outro lado da cama você não está presente, logo agora que finalmente iríamos nos casar Sthefen, porquê você fez isso? Por quê? Você jurou nunca me deixar e agora esta aqui em um quarto de hospital. Eu quero olhar em seus olhos mais uma vez, quero dar risada ao seu lado, admirar o seu sorriso Sthefen. –Eu sussurrava baixinho comigo mesma essas palavras, chorava e soluçava em silêncio, o meu cigarro ia se acabando.


O tempo passou, cada dia parecia anos naquele sofá da sala de espera, mas agüentei, agüentei cada momento de tristeza, cada momento de angustia, segurei a barra até o momento em que descobri estar grávida.

-Mãe, eu não quero mãe, eu não posso, faz um mês que o Sthefen está do mesmo jeito que chegou no dia em que foi baleado, como posso ter uma criança agora mãe? –Eu chorava feito um bebê.

-Luiza, você precisa começar a se cuidar, agora tem que pensar em você e nesse neném que está a caminho querida, não pode deixar suas forças acabarem.

-Eu não consigo mãe, eu não sou tão forte assim, eu estou exausta, cansada de tudo isso mãe, a gente não merecia passar por tudo que estamos passando, não merecíamos.

-Querida, não há o que fazer, você vai ter esse filho, por que ele é fruto de seu amor com Sthefen, mesmo que nesse momento ele não esteja aqui para te apoiar. Ele estaria feliz agora, pense nisso. –Ela saiu para a varanda após terminar de falar.
Essa noite passei em meu quarto, trancada pensando em como seria ter um filho. Com as mãos deslizando em minha barriga eu consegui me animar pensando em tudo que minha mãe havia dito. Logo que amanheceu fui para o hospital, eu precisava contar para o Sthefen isso tudo que estava acontecendo, ele tinha que saber que seria pai em breve.

Cheguei no hospital e fui direto para o quarto, entrei e fiquei em pé, ao lado dele.Peguei uma de suas mãos, que não estava com soro, coloquei em cima da minha barriga e muito emocionada abri minha boca para contar essa novidade tão repentina.

-Sthefen, esse aqui é o nosso filho, o fruto do nosso amor, querido, pode sentir? –Eu sorria e falava ao mesmo tempo, como se ele estivesse acordado. - O nome será Sthefen se for um menino, igual você meu amor. Você colocou dentro do meu ventre uma felicidade eterna, em meio a tanta tristeza eu pude sorrir mais uma vez. Eu te amo Sthefen.


Passaram-se mais 7 meses e minhas forças estavam se acabando a cada dia, eu tinha cada vez mais certeza de que Sthefen vegetaria até sua morte, isso causava uma tremenda dor em meu peito. Minha barriga estava enorme, eu não tomava os devidos cuidados com a criança, fumava a todo tempo,era como um consolo para minha dor, era muito mais forte do que a mim mesma e mesmo pensando com muito amor nessa criança, eu não conseguia controlar o meu vicio.
Uma noite estava em minha casa com minha mãe vendo o jornal, um dos médicos ligou-me pedindo para ir rapidamente até o hospital, disse que Sthefen teria dado uma melhorada. Rapidamente coloquei outra roupa, peguei minha bolsa e voltei para o hospital, chegando lá, o médico que fazia o seu acompanhamento disse que ele teria acordado. Não consigo descrever o tamanho da minha felicidade, não existe presente maior do que Sthefen vivo e o nosso filho que estava para nascer.

Entrei no quarto, e ele estava com os olhos abertos, olhavam para mim como se quisesse dizer alguma coisa, ai então segurei sua mão, ele sorrio de lado e fazendo muita força, disse devagar:

-Eu te amo Luiza, além da vida.

Meu coração acelerou, minha garganta formou um nó, uma chama de esperança queria a todo custo acender por completo, virar uma brasa de fogo, voltar a surgir em meu peito.

-Te tenho com a certeza de que você pode ir, te amo com a certeza de que irá voltar,pra gente ser feliz, você surgiu e juntos conseguimos ir mais longe, você dividiu comigo a sua história e me ajudou a construir a minha, hoje mais do que nunca, somos dois-Cantei para ele e sorri com lágrimas escorrendo pelo meu rosto.
Igual a uma criança, Sthefen fechou os olhos e dormiu para sempre.


Não pude acreditar no que estava acontecendo, bem no fundo do coração eu já sabia que isso poderia acontecer cedo ou tarde, mas com a ligação do médico, com o abrir dos olhos de Sthefen, cheguei a pensar que toda aquela situação estaria acabando, naquele momento cheguei a pensar que ele realmente estava melhorando, foi uma facada em meu peito presenciar sua morte.

-Sthefen meu amor, não me deixe, você não pode ir, temos o nosso filho para criar, não me deixe – Gritava ao falar, aos prantos, sem crer na situação.

-Luiza, não temos mais o que fazer, geralmente é assim, os pacientes tem uma melhora e partem, você precisa ser forte.

-Cansei de ser forte, não agüento mais. –Eu chorava e ao mesmo tempo secava o rosto com a manga do meu casaco.

Não aceitando sua morte, indignada com os motivos de estar ali sem vida, segurei-o pela roupa do hospital e chacoalhei o mais forte que pude, tinha a intenção de fazê-lo voltar, tudo tão errôneo de minha parte. Completamente sem sentido algum tudo o que estava fazendo, ele jamais voltaria a ser o meu Sthefen repleto de planos e vida para dar e vender.

A noite passou, toda parte burocrática para seu velório e enterro foi vista pela minha mãe, eu estava tão morta quando Sthefen, meus olhos falavam que em meu corpo não havia mais vida, apenas em meu ventre crescia uma criança que eu ao menos consegui dar atenção enquanto um feto.
Passei toda manhã em seu velório, agarrada ao caixão, disposta a não deixá-lo ir embora, quase uma louca, sem noção das minhas atitudes, sem medir palavras a ser dita, alguém sozinha desde o disparo de uma bala perdida que encontrou o meu futuro marido, por acaso ou não, por algumas horas de antecedência ou não, talvez um destino cruel e nada além disso.

Como eu temia, chegou à hora de uma despedida final, a primeira e a ultima de nós dois. Segui junto a outras pessoas o caixão, levado por homens fortes e vestidos de preto, subiam toda rua do cemitério.


Era como se eu estivesse ali dento, ao lado de Sthefen, indo embora também e deixando as pessoas de uma só vez com nosso filho, os três jutos. Foi com essa sensação que segui até sua cova.
Desceram o caixão aos poucos e joguei uma rosa branca para que levasse com ele, todo cemitério cheirava flores, um perfume que exalava por todos os lados. O céu estava azul e o sol era muito forte nesse dia, alguns urubus voavam sob nossas cabeças e fazia um barulho das árvores que balançavam com o vento de um lado para o outro em total sintonia. As pessoas me abraçavam, como se isso me consolasse. Pediam para eu ser forte, mas começando sem entender o porquê dessa crueldade com Sthefen já perdia todas as minhas forças.


Olhei para o céu e disse:

-A Sthefen, você levou embora uma parte de mim no momento em que foi sepultado, a outra parte morrera a cada dia sem sua presença aqui. Eu te amo, amo muito. –Fui saindo devagar do cemitério, ao lado da minha querida mãe.

Ao entrar no carro, comecei a sentir dores horríveis em meu ventre, cheguei a sentar no chão e sem conseguir levantar passei as mãos em minhas coxas.

-Me ajuda mãe, chama alguém, estou sangrando. – Eu gritava, agora com medo de perder a única parte importante que sobrará em minha vida.

-Calma filha, vou te colocar no carro e você vai ficar bem, sua bolsa estourou, provavelmente o neném esta querendo nascer um pouco antes da hora. –Sua voz era suave, como uma canção de ninar.

Passei a delirar, todo o cansaço, descuido com a gravidez, preocupação, nervosismo e má alimentação estava fazendo efeito naquela tarde, logo após o enterro de Sthefen.

Minha mãe levou-me imediatamente até o hospital, quando acordei já estava em trabalho de parto, fizeram uma cesárea urgente, escutei o médico conversar com os enfermeiros.


-É um menino, vejam só.

-Ele é lindo – Disse uma mulher que ali estava presente, provável que seja uma enfermeira também.

-Me deixemeu dar um beijo nele, por favor -Eu quase implorei para os médicos.
Colocaram-no do meu lado, tão pequeno e indefeso, me fez sorrir e chorar ao mesmo tempo, quanto sofrimento e quanta felicidade, não pode descrever o que senti ao ver meu filho Sthefen, tão dependente de mim.
Ficamos algum tempo no hospital, o pequeno Sthefen precisava ganhar peso, tomar alguns medicamentos, nasceu tão pequeno em comparação as outras crianças. Eu o observava aquela coisinha tão frágil por horas, sem cansar-me, todos os momentos eu passei ao lado dele, acompanhando seu crescimento, seus primeiros dias de vida.

Três anos após a morte de Sthefen e o nascimento da minha mais preciosa jóia (...)
Esses três anos, passei ao lado do amado filho, contei a ele sobre seu pai. Uma vez por semana íamos juntos até o cemitério, levávamos flores e o meu pequeno grande Sthefen sempre fazia alguns rabiscos em folhas, dizia serem “as cartinhas do papai”. Ele era a minha maior felicidade que eu poderia ter em meio a tanta angustia, o único que conseguia tirar um sorriso do meu rosto, com um abraço me acalmava, com uma só palavra mudava os meus dias de toda semana, eu aprendi com meu filho outro tipo de amor, incondicional, absoluto.

Sempre tentei ser o melhor para o meu pequeno príncipe, uma mãe tão boa quanto a minha, mas minha dor ainda era imensa. Às vezes ia dormir com a impressão de que não fosse mais levantar, em sonhos Sthefen vinha para me buscar, tinha a sensação de que estava ficando louca, escutava vozes, escutava a voz dele. Sentia seu calor, arrepiava-me como se fosse um sinal que indicava sua presença, todas as noites era a mesma coisa, o cheiro do perfume que usava se espalhava quando todos estavam em silêncio como se somente eu pudesse sentir, começava no meu quarto e ia até a sala.

Nas vozes que eu escutava, ele sempre dizia quase a mesma coisa.

-Cuida bem do nosso pequeno Sthefen, ele nos ligara para sempre, onde quer que nós estejamos. Eu te amo Luiza

-Sou completamente sua, até morrer. Eu te amo de uma forma que meu coração chega doer Sthefen. Você foi o grande amor da minha vida, sempre será, onde quer que eu esteja estou pensando em nós dois, esperando para te encontrar só mais uma vez. Sonho com o brilho dos seus olhos, sinto o seu gosto e consigo vê-lo nas mais pequenas coisas.Parte de nós dois me acompanha todo o tempo, o nosso filho, ainda tão pequeno é a maior herança que você poderia deixar-me, vamos nos encontrar, me espera. Eu te juro o meu amor, meu eterno amor. –Foram as palavras que eu disse à ele em um dos meus sonhos, onde segurava suas mãos, conforme eu ia acordando aos poucos, ele me soltava lentamente e mais uma vez eu encontrava forças para caminhar.

Nosso amor vai além da vida, eu sei.





Texto feito para Tati.


Anna andava pela rua com as mãos lotadas de sacolas, quase não conseguia segura-las.

Cada sacola dizia ao fundo as marcas das roupas que costumava comprar e exibir por onde passava.

Das compras, direto para o trabalho. Mal colocou os pés dentro de seu departamento, quando se deparou com Joana, ela estava desesperada.

-Anna, estamos perdidas! –Joana falou demonstrando sue nervosismo.

-Por quê? O que houve Jô? –Após fazer algumas compras, ela estava calma, não deu muita importância.

-A empresa, vai fechar em breve!

Anna olhou ao seu redor, as pessoas empacotavam suas coisas, começou a ficar em choque, mas nada pode fazer além de arrumar seus objetos pessoais em caixas, junto aos outros.

No final de seu expediente, Anna voltou para o seu apartamento, morava com sua amiga Sophie, dividiam as despesas. As duas começaram a conversar na hora do jantar.

-Como foi o dia hoje Anna? –Perguntou Shopie, entusiasmada.

-Maravilhoso, enquanto fazia umas comprinhas, algumas roupas novas, sapatos. –Ela chegava a suspirar de tanta satisfação. Em compensação, cheguei ao trabalho com a notícia de que a empresa vai fechar. –Anna mudou de semblante em questão de segundos.

-Não posso acreditar Anna, eu sinto muito. Você vai conseguir um emprego melhor, vai ver só. –Shopie até que tentou ajudar.

-Como vamos pagar o aluguel desse mês Sophie? –Ela colocava as mãos na cabeça, não conseguia pensar em uma solução.

-Acalme-se Anna, eu faço as regras aqui, eu pago o aluguel desse mês, depois, quando encontrar um novo emprego e estiver se estabilizando, paga a sua metade. – Ela sorrio.

-Obrigada Shopie! Você não imagina o quanto me sinto aliviada. Vou lhe comprar um lindo presente, tem uma liquidação na loja (...) – Anna falava empolgada, quando em foi interrompida.

-Anna, você acabou de perder o emprego, ainda está pensando em gastar? Precisa parar com isso imediatamente. – Shopie demonstrou firmeza em suas palavras.

-Eu não consigo, por mais que eu tente a vontade de comprar é mais forte do que eu. –Anna mostrava em sua face estar frustrada.

As duas foram para a sala ainda falando sobre o assunto, Shopie um pouco mais sensata e realista, abria algumas contas que chegará pela manhã.

-Trezentos e vinte dólares em equipamentos de mergulho?

-Sim, eu achei interessante comprá-los para uma possível viagem. –Anna falava um pouco sem graça.

-Setecentos e oitenta e sete dólares em lingerie. Anna, por Deus, quando você vai cair na real? –Shopie estava começando a ficar irritada.

-Lingerie é um dos direitos de todas nós mulheres, eu precisei comprar, eram lindas. –Anna falava sem perceber a gravidade do problema.

As duas estavam sentadas no chão da sala, papéis ao redor delas era o que não faltava. Shopie calculava o total a pagar enquanto Anna pensava em consumir ainda mais.

Essa noite Anna passou quase em claro, preparando um currículo, sairia em busca de novas oportunidades logo pela manhã, Shopie, dormia em seu quarto.

No dia seguinte, acordaram cedo, saíram juntas de casa, Shopie iria para seu trabalho enquanto Anna participaria de uma entrevista de emprego. Passaram em uma lanchonete para tomar o café da manhã e em seguida entraram no banheiro para retocar a maquiagem. Shopie lia o currículo enquanto Anna usava o banheiro.

-Fluente em finlandês, experiência em atendimento com público? Desde quando sabe tudo isso Anna? Pensei que tivesse experiência só em jornalismo. –Shopie não conseguiu segurar a gargalhada.

-Qualquer pessoa exagera no currículo. –Anna tentava se explicar dando risada da situação.

Saíram do banheiro da lanchonete e seguiram seus rumos, Shopie para seu trabalho e Anna a entregar seu currículo em uma empresa de finanças. Anna já tinha uma idéia de onde começar seu novo emprego. Pegou um táxi e parou no centro da cidade onde morava.

Chegando até a empresa entregou seu currículo e aguardou alguns minutos na sala de esperara, junto a outras pessoas que também aguardavam respostas de emprego.

-Senhora Anna. –Uma moça a chamou para que entrasse em uma sala, começariam a entrevista.

-Sim, sou eu. –Anna levantou-se da cadeira onde estava sentada, foi até a moça que aguardava em frente à porta.

-Olá, meu nome é Cornelia, queira entrar Anna.

-Obrigada. –Anna entrou na sala.

Cornelia sentou em uma cadeira, colocou o currículo de Anna em cima da mesa e começaram a conversar.

-Tenho uma vaga de emprego no departamento de economia aqui da empresa, vi no seu currículo que tem experiência, acha que estaria apta para o cargo?

-Sim, claro. Trabalhei durante um ano nesse setor em outra empresa.

-Pra mim você já está contratada, gostei do seu currículo, me parece ser muito competente e experiente em diversos setores.

-Você está mesmo falando sério? Serei grata se conseguir essa vaga. –Anna sorria, pensava que foi mesmo bom acrescentar algumas “coisinhas” em seu currículo.

As duas conversaram por algum tempo, falavam sobre pagamento, horários e responsabilidades.

-Essa vaga é sua Anna, espero fazer um bom trabalho. –Estendeu sua mão para cumprimentá-la.

-Obrigada, farei um bom serviço. –Sorrio.

No mesmo dia Anna começou a mostrar o que sabia fazer de fato, por sinal executou perfeitamente suas tarefas dentro da empresa. Ali permaneceu, trabalhando todos os dias, aperfeiçoando seus conhecimentos em finanças. Aprendeu a trabalhar com a economia de sua empresa, não parecia à mesma compulsiva por compras de antes.

Mas isso, era somente em seu trabalho, tudo o que falava sobre economizar, comprar por preços acessíveis e dividir o dinheiro para finalidades certas, era teoria em sua vida.

Todos os dias Anna chegava em casa com algo novo, em dia de pagamento eram sacolas que não se acabavam, roupas e sapatos das mais diversas marcas, óculos, pulseiras, sem contar acessórios que ela acabava nunca usando.

Shopie estava sempre com sua calculadora nas mãos, fazendo contas, dividindo seu dinheiro, fazendo anotações, reservando a quantia certa para o aluguel. Preocupada, responsável e a cada dia um pouco mais irritada com os gastos excessivos de Anna.

Em certa noite, após Anna chegar com mais sacolas da rua, Sophie não agüentou, chamou-a para conversar. As duas sentadas na cama tentavam entrar em um acordo.

-Anna, você precisa perceber que é hora de parar, olha só o seu quarto, não tem onde colocar caixas, suas roupas mal cabem nos guarda-roupas.

-É mais forte do que eu.

-Você sempre fala isso, cai na real Anna, assim não da para morar ao seu lado, nunca sobra dinheiro de sua parte, você sempre precisa pagar contas, eu sempre tiro parte do meu pagamento para te ajudar e ainda assim você continua gastando, cada dia mais. –Shopie quase gritava ao falar, segurava-se para manter-se relativamente calma.

-Eu sei você tem razão, me ajuda a parar Shopie, eu não consigo. –Ela quase sorri.

-Você precisa se tratar, só assim vai conseguir controlar sua vontade de comprar. –Shopie falou já pegando o telefone.

-O que vai fazer? –Anna perguntou assustada.

-Vou ligar para um lugar que trata pessoas assim, iguais a você.

Shopie ligou para uma mulher, ela era psicóloga a alguns anos e tratava casos específicos como de Anna, ela aceitou a ajudar com algumas reuniões, onde diversas pessoas conversavam, contavam como era viver a prol da compulsão por compras.

No dia seguinte, Anna faltou no trabalho, foi para sua seção de terapia.

- Boa tarde, meu nome é Anna. –Ela entrou e logo se sentou.

-Oi Anna. –As pessoas falaram em um coral.

-Por que está aqui Anna? –Perguntou à psicóloga

O primeiro passo para livrar-se de um problema é admitir que esta passando dos limites e precisava de ajuda. Foi o que Anna fez.

-Estou aqui por que sou uma compradora compulsiva, compro apenas por prazer.

-Muito bem. Fale mais como você se sente Anna.

-Sabe quando você está passando pela rua, então avista um bonitão andando e sorri... E, seu coração derrete feito manteiga quando passamos em um pão quente? Bem, é assim que eu me sinto quando passo perto de alguma loja. Então, sabe quando você consegue ficar com esse bonitão e no final pode dizer que ele é seu? Com as compras é a mesma coisa, meu coração dispara ai eu compro o que tenho vontade e no final posso dizer que é tudo meu. –Ela suspirou no final.

As pessoas prestavam atenção em tudo que ela dizia, algumas contaram sobre suas vidas também. Assim Anna passou alguns meses, trabalhando sua compulsão por compras, aprendendo a gastar e usando seus conhecimentos sobre economia não só no trabalho como em sua vida profissional também. Anna melhorou seu desempenho profissional, passou a ser mais confiante, acreditar nela mesma e em suas capacidades, conseguiu mudar e obteve reconhecimento de todos por isso. Anna testava a si mesma todos os dias passando em frente de lojas e voltando com as mãos vazias, somente com sua bolsa no ombro.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

“Meu nome é Giovanna, já se passaram três anos desde o dia do acidente, mas ainda sinto o cheiro do sangue escorrendo na beira da minha cama. Parece que foi ontem, todas as lembranças vivem em meus pensamentos, é quase uma perseguição cruel que me mata a todo o momento.”

Eu estava no ultimo ano da escola, tinha diversos sonhos como qualquer garota da minha idade e não posso mais realizá-los. Quantas amizades eu tinha no colégio onde estudei a vida inteira, ao menos sei se ainda lembram-se de mim.

Primeiro dia de aula do mês de julho. Bem cedo e eu já estava lá, do lado de fora do colégio esperando pra rever o pessoal. Acenei com a cabeça para alguns amigos que passaram e continuei parada com os braços cruzados, tentando erroneamente esquentar-me do frio. De longe avistei o Luca correndo em minha direção, com o sorriso gigantesco que eu sempre adorei.

Éramos namorados desde o tempo de crianças, amor desses que as pessoas olham e dizem ser pra sempre, namorado para casar-se. Antes tivesse sido assim. Abraçou-me tão forte que por alguns segundos esqueci-me do frio que fazia naquela manhã.

-Minha Giovanna, quanta saudade. – Adorava quando me chamava assim. Ele não parava de sorrir, lindo, quase um anjo.

-Estava com saudades, pensei que as férias não fossem acabar nunca. – Abaixei a cabeça e dei um sorriso de lado, fazendo charme.

-Você não imagina o quanto foi divertida a viagem, deveria ter ido.

-É não teve mesmo como ir, quem sabe da próxima? – Sorri para finalizar.

Entramos de mãos dadas na escola, ele me contava de sua viagem e eu das minhas férias monótonas. Demos um pouco de risada, fizemos alguns carinhos, e o sinal tocou para entrarmos na sala de aula.

-Tchau meu amor. – Olhei para ele e dei um beijo.

-Tchau Giovanna. Eu te amo. – Gritava que me amava feito um louco pelos corredores.

Minha pele pálida ficou vermelha, morria de vergonha quando ele fazia isso.
O dia passou rápido demais e quando me dei conta, já era hora de ir embora. Da janela pude ver o Luca, todo se engraçando com outras meninas, esperando a hora que eu saísse.

-Vamos embora Luca? – Olhei pra ele com a cara fechada.

-Sim claro amor. – Despediu das meninas e saímos da frente do colégio.

Não conseguia entender o porquê, mas fazia algum tempo em que não sentia mais tanto ciúmes do Luca, às vezes era como se eu olhasse para ele e esquecesse que éramos namorados, me sentia estranha por isso, culpada, tinha medo de magoá-lo.

Nesse dia passamos a tarde juntos, ele me levou no cinema, há tempos não fazíamos isso e eu confesso, foi até divertido. Comemos pipocas, tomamos sorvete, depois ficamos conversando na sala da minha casa.

- Giovanna, às vezes eu fico pensando sabe, não sei o que seria da minha vida sem você. – Ele tentou continuar falando, mas eu logo interrompi com uma frase.

-Sério Luca? – Passei a mão no cabelo, fiquei um pouco séria sem ter muito o que dizer.

-Claro que sim, estamos juntos há tanto tempo, isso com certeza é para sempre Giovanna. –Ele conseguia deixar-me incomodada só com o olhar que não parava de fixar em meus olhos.

- Luca, não sei bem se era isso o que você queria ouvir, mas... –Respirei fundo.

-Mas o que Giovanna? – Senti ele bastante ansioso, um pouco tenso.

-Mas, mas... Luca, não tenho certeza se é assim do jeito que você fala, estamos juntos há tanto tempo. Fiquei quieta alguns segundos. - Nunca conhecemos outras pessoas, nunca nos demos essa chance, talvez o nosso amor seja mesmo coisa de criança.

Eu consegui enxergar fogo em seus olhos, ele levantou do sofá e saiu feito um louco inconsciente, batendo a porta, gritando comigo como se tivesse direito por ser o meu namorado.
Comecei a ter mais certeza de que não era Luca meu grande amor, tudo não passava de uma brincadeira, eu estava acostumada com a presença dele, insistindo em um relacionamento que jamais daria certo dali pra frente, era tudo ilusão. O que eu sentia era mais carinho e respeito do que amor. Eu gostava do Luca, mais estava saturada com tudo aquilo, começou a ficar enjoativo, eu estava me sentindo cansada. Ficávamos bem juntos, tínhamos sempre o que conversar, ele me fazia rir, ouvia meus problemas e até me ajudava neles. Eu tinha um grande amigo, e era só isso. A cada dia tinha mais certeza.

O telefone tocou e logo imaginei que fosse ele.

-Alô, quem fala? – Era uma amiga do colégio.

- Tudo bem Giovanna? É a Verônica, como foi à escola hoje?

-Verônica ! Foi ótima a escola, por que faltou logo no primeiro dia ?

-Então Giovanna, estão dando uma festa hoje aqui em casa, vem pra cá, vai ser muito divertido.

-Hoje? Ainda é segunda-feira, está enlouquecendo é? – Dei uma gargalhada.

-Sim, hoje, é pra comemorar a chegada do meu irmão, ele estava viajando, lembra?

-Claro que lembro, já que é esse o motivo, com certeza estarei ai, só espera eu me arrumar.

Desligamos o telefone e logo fiquei empolgada para a festa, afinal Tinha brigado com o Luca. Cheguei à casa da Verônica e fui logo batendo na porta. Não acreditei quando dei de cara com o Beto, irmão dela, ele estava deslumbrante, diferente de tudo, diferente de antes, não parecia o Beto que eu conheci.

-Oi Beto. – Falei quase gaguejando, olhei para ele e não consegui disfarçar o quanto fiquei surpresa.

- Oi Gio, como você cresceu, não pensei que estivesse tão linda. –Olhou nos meus olhos e continuo segurando a porta, sem falar nada.

-Não vai me convidar para entrar? –Falei sorrindo, escondendo a timidez.

-Opa senhorita, entre. –Ele brincou enquanto segurava a porta e esperava eu entrar.

Cumprimentei Verônica, seus pais e os convidados da festa. Fiquei quieta em um canto, ouvindo a música que tocava em um som ambiente. Não conseguia parar de pensar no Beto, quando percebi, ele olhava de longe pra mim. Dei um tchau e mordi os lábios, quase sem querer. Ele se aproximou com uma taça de vinho, ficou parado na minha frente.

- Me acompanha Giovanna? – Ele sorria quase o tempo todo. – Giovanna?

-Sim, claro, mais só um pouco, amanhã preciso estudar. –Peguei uma taça e começamos a beber juntos.

Assunto não faltou, tínhamos mais coisas em comum do que um dia cheguei a imaginar, afinal éramos tão distantes um do outro quando nos conhecemos. Conversamos um longo tempo, não olhei a hora passar. Eu me senti bem ao lado do Beto, como a tempos não me sentia, ele me fez sorrir de verdade, falou sobre assuntos que me chamaram atenção. Encantada, assim que fiquei, isso denomina o meu estado naquele momento.

-Tchau Beto, eu preciso mesmo ir.

-Tchau Giovanna, aparece mais vezes aqui em casa, foi muito bom vê-la. –Deu um beijo no canto da minha boca, e então fui embora.

Cheguei em minha casa correndo, sem ar, sem voz. Eu só conseguia imaginar, lembrar dele.A essa altura eu mal pensava no Luca. Fui dormir sonhando com o jeito do Beto, tão diferente. Tão homem e maduro, tinha uma inteligência fascinante.
Fui para o colégio na terça-feira, foi tão normal quanto qualquer outro dia, minha cabeça estava longe, como sempre eu estava sonhando com o meu futuro, talvez ao lado do Beto, afinal, só ele tomava conta da minha mente, desde a noite passada.

Os meses passaram tão rápido que mais uma vez não percebi. Continuei falando com o Beto, ligávamos um para o outro, chegamos a sair para almoçar em algumas tardes, freqüentávamos um a casa do outro. A cada minuto eu percebia estar um pouco mais apaixonada por ele. Não sei se era recíproco, mas ele me tratava como se eu fosse a pessoa mais importante na vida dele.

Eu não tinha mais falado com o Luca desde o dia em que ele foi grosso comigo, não sabia como ele estava e o meu orgulho jamais deixaria eu ligar para saber notícias, resolvi esperar, esperar para ver o que aconteceria a partir daquele momento, afinal minha vida tinha mudado desde a primeira troca de olhares com o meu novo amor.A campainha tocou e eu corri para atende-la, pensei que fosse o Beto e me deparei com o carteiro.

-Oi, tem alguma correspondência pra mim? – Perguntei surpresa.

-Sim, tenho essa correspondência pra você. – Ele verificou o envelope. – Giovanna ?

-Sim, eu mesma. – Respondi.

-Então, é pra você. –Entregou-me e foi embora.

Abri ansiosa o envelope e ao ler o que nele estava escrito, me senti a pessoa mais feliz e ao mesmo tempo mais triste de todo o mundo. Na folha de papel dizia mais ou menos assim:

“Senhorita Giovanna, você foi aceita para a Universidade Oxford na Inglaterra, parabéns.”

No mesmo instante parei para refletir. Como eu iria para Inglaterra estando completamente apaixonada pelo irmão da Verônica, estava tão perto da viagem, eu teria que fazer tudo tão rápido. Eu queria estar ao lado dele, essa era uma certeza, mas eu tinha que estudar, havia batalhado tanto para conseguir uma vaga na universidade.

Mais uma semana havia se passado, e finalmente tinha decidido, eu iria sim para a universidade, não poderia deixar os meus estudos, a minha vida, por um homem, mesmo apaixonada por ele, quem ama com certeza espera, e isso aconteceria se ele também gostasse de mim. Resolvi escrever um bilhete, faltava pouco tempo para deixar o país, meu passaporte já estava todo certo, não tinha mais nada que me impedisse de viajar, exceto minha paixão pelo Beto. O Luca mal olhava na minha cara, nem conversamos para chegar à conclusão de que realmente tinha acabado um namoro de tantos anos.

O bilhete escrito naquele dia por mim, estava exatamente dessa maneira:

“Não sei nem como explicar, mais eu te amo, e tenho certeza desse amor. Quanto a você, não sei se me ama tanto assim. Os poucos momentos que passei do seu lado foram especiais. De alguma forma você tocou meu coração como ninguém tocou antes. É profundo, intenso, e as vezes chega a doer. Falta coragem para chegar em você, eu sei, mais é que tenho medo, não sei qual seria a sua reação se soubesse que estou perdidamente apaixonada por você. Chegou a correspondência me avisando sobre a universidade e eu não posso perder essa oportunidade. Vou ficar por pouco tempo na Inglaterra, mas sentirei a sua falta, sentirei muito. Não se esquece de mim não, é a única coisa que eu te peço, me espera, me ame em qualquer lugar, me ame a todo o momento, por que eu nunca vou deixar de amar você. Eu volto, volto pra ficar ao seu lado, para sempre. “
Beijos, Giovanna.

Foi uma maneira covarde de falar com alguém tão especial na minha vida, mas agi dessa forma por amor. Foi o jeito que encontrei de dizer adeus antes de ir para Inglaterra. De noite fui até a casa dele, deixei o bilhete debaixo da porta, tão tola, como em uma novela.
Voltei para casa, eu precisava arrumar minhas malas, deixar prontos pequenos detalhes. Com muita dor no peito e chorando sobre minhas roupas, adormeci na bagunça em cima da cama, quando dei conta, já era outro dia e a luz do sol batia na janela do meu quarto, me acordando para enfrentar o meu momento difícil. Era um domingo, e eu já estava quase pronta para sair de casa quando escutei a campainha tocar, era o Beto.

-Giovanna você não pode ir, não pode me deixar. – Ele soluçava, seu desespero estava visível em seu rosto.

-Eu te amo, eu te amo tanto, mas eu não posso ficar, vai ser por pouco tempo meu amor, eu juro.
Ele me abraçou, faltaram palavras para serem ditas, minha carta era pra suprir essa falta que eu sabia que aconteceria. Fiquei sem reação, estagnada.

Derrepente, como em um piscar de olhos, senti o impacto da porta se abrindo com força e quando olhei para trás, era ele, o Luca. Fiquei surpresa, ele parecia estar bêbado, completamente fora de si, um louco doente. Meu olhar foi pra um lado e para o outro quando me dei conta que ele estava segurando um revolver na mão.

- Para Luca, fica ai, por favor. – Eu não sabia como agir naquele momento, era a última coisa que esperava, além do mais, vindo do Luca, sempre tão sensato.

-Cala a boca Giovanna -Ele gritou tão alto que eu comecei a ficar ainda mais apavorada.

-Você é um inconseqüente Luca, vá embora logo. – O Beto falou com calma para que o Luca não se assustasse e cometesse um erro sem pensar. O que de nada adiantou.
Eu olhei para o Luca, ele parecia outra pessoa, estava transtornado, não sabia o que estava fazendo.

-Eu vou matar esse cara Giovanna, ele nunca vai ficar com você, nunca!

-Para Luca, é sério, você não é assim, e...e...eu não tenho nada com o Beto, somos apenas amigos.

Quando dei minha ultima palavra Luca puxou o gatilho, nesse momento cheguei a pensar que fossemos morrer, eu e Beto. Agindo completamente por impulso, com o meu extinto de proteger as pessoas, pulei na frente do Beto, de costas para o Luca. Como se eu tivesse força o suficiente para impedir alguma coisa. Eu infelizmente não era de ferro.

O Luca puxou meu braço com força, eu cai com a cabeça na parede e quando o Beto deu um passo da minha cama até a porta, Luca atirou , lembro-me do barulho, ele não teve um pingo de piedade.Eu escutei os gemidos de dor e angustia do Beto até morrer na minha frente e eu não podia fazer nada, além de chorar.

-Gio, eu te amo, o tempo não esperou por nós dois, o nosso destino foi cruel demais e a morte nos separou antes mesmo de nós nos unirmos. Você é a minha vida, você é a minha vida. –Beto morreu, ao meu lado, por minha culpa.

Eu surtei, devo ter ficado tão transtornada quanto Luca, ao ver Beto ali, no meu quarto,totalmente sem vida. Eu fui pra cima do Luca, querendo matá-lo e ele foi mais rápido do que eu. Mais uma vez disparou o gatilho.
Acordei no hospital, um dia depois fiquei sabendo do suicídio do Luca, ao lado de Beto. Na minha casa, no meu quarto.
Uma enfermeira entrou no aposento onde eu estava e leu pra mim a carta que estava no bolso do Beto.

Gio, minha princesinha do cabelo louro, desde a noite em que você apareceu na minha casa e me olhou pela primeira vez nos olhos, depois de tanto tempo sem nos falar, senti o meu mundo girar, senti minha vida mudar, você mudou a minha vida, você me faz feliz, me deixa feliz, eu te amo meu amor, eu faço qualquer coisa pra você não ir embora, eu faço qualquer coisa pra ficar ao seu lado. Não me deixa, eu sei que se você for vai ser para nunca mais voltar, a gente precisa ficar juntos agora, por que eu sinto como se tivéssemos pouco tempo, pouco tempo para decidir coisas tão simples. Eu sei, é importante para você ir para outro país, mais pra mim é muito mais importante do que qualquer outra coisa ficar do seu lado, juntinhos, por toda a vida, até que a morte nos separe. Pensa com amor, pensa com o amor que você sente por mim. Eu te espero o tempo que for, mais não sei se tempo espera por nós.”
Beto.

Eu desabei a chorar, mas sabia que aquela era a resposta, a minha resposta, era a carta do meu grande amor, o amor da minha vida.

Ainda sinto o cheiro de sangue nos lençóis da minha cama, lembro desse dia sempre, como se a todo tempo rebobinasse uma fita dentro da minha cabeça.
Era amor, o que nós dois sentíamos, o que eu ainda sinto. Sei que quando olhar para o céu vou encontrar você. Eu te amo mesmo que agora quem tenha que esperar para te encontrar seja eu.

-Muito bom Giovanna, fico feliz que tenha conseguido desabafar, isso ajuda muito na sua recuperação. –Tamara sorrio, ela sabia como me acalmar.

-Obrigada, eu sei que vou ficar bem, eu espero por isso. – limpei minhas lágrimas.

Depois de mais uma terapia com minha piscóloga, em uma cadeira de rodas, fui para casa, passar mais uma tarde amargurada, sozinha no meu quarto. Esperando pelo dia em que vou encontrar o Beto. Eu o matei, e disso nunca vou me perdoar.

Do lado de dentro

Minha foto
"Meu nome é Letícia e eu tenho vinte anos, sou estudante de psicologia e escolhi este curso pela imensa paixão por pessoas e pelo constante desejo em conhecer de forma mais profunda os seres humanos e seus mistérios. Gosto de leitura e acredito que ler é poder viajar sem sair do lugar. Romântica, mas sem papas na língua. Fascinada pela vida, pelos amigos, mais família do que nunca. Sonho em morar em um outro país para conhecer uma nova cultura, penso em casar de branco e jogar o buquê, quero que a decoração seja de girassóis. Amo o meu namorado e percebo a cada dia que fomos feitos para completar um ao outro, juntos dizemos que iremos ter dois filhos e sempre discutimos qual será o nome deles, nunca chegamos a um acordo. Acredito que o amor pode mudar as pessoas, mas viver apenas de amor não é o suficiente. Sou sonhadora, mas ainda assim tenho os meus pés no chão. Futuramente pretendo ser psicóloga organizacional, mas neurociência também me deixa balançada. Prefiro o inverno, mas quando está muito frio sinto falta do sol. Hoje eu sou quem eu sempre pensei em ser e também quem eu quero ser".

Arquivos do blog

Tecnologia do Blogger.

Um brinde a vida

A ambição voraz dos seres humanos nunca é saciada quando os sonhos são realizados, porque há sempre a sensação de que tudo poderia ter sido feito melhor e ser feito outra vez.

A leitura nos permite viajar

A leitura nos permite viajar